Dentre as personalidades que protagonizaram a Questão Religiosa, este interessante capítulo de nossa história, que ao lado da "Questão Militar" e da "Questão Social ou Abolicionista" foram as grandes causas da derrocada do governo imperial, destaca-se a figura do Vigário Bartolomeu da Rocha Fagundes.

Nascido em 8 de setembro de 1.815 em Vila-Flor, vilarejo do município de Canguaretama no Rio Grande do Norte, foi criado em Natal, pois sua família mudou-se muito cedo para a capital, devido aos negócios do pai. Este senhor, também chamado Bartolomeu, era Maçom regular. Membro da Loja "Sigilo Natalense", tinha o nome simbólico de Talleyrand, e incentivava o filho a ler tudo que estava ao seu alcance. Sua mãe, Florência Gomes de Jesus Fagundes, o educava com grande rigor e disciplina. Estes fatores explicam o caráter íntegro, guerreiro e de bons costumes que viria a manifestar no futuro.

Após terminar o curso primário, matriculou-se no Seminário de Olinda, que era o grande centro de formação cultural e intelectual da época, naquela região. A ênfase nos ensinamentos com base humanística, ministrados nesta instituição, iriam influenciar suas idéias de maneira marcante ao longo de toda sua vida. Aos 24 anos de idade, em 1.839, recebeu o sacramento da Ordenação, pelas mãos do Bispo de Olinda, Dom João da Purificação Marques Perdigão. A Diocese de Olinda englobava a província do Rio Grande do Norte neste período. Sagrou-se Vigário da Paróquia de Vila-Flor, chamada Nossa Senhora do Desterro , que depois passou a ser denominada Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação. Sua primeira missa foi celebrada em 06 de Janeiro, dia de Reis.

Era extremamente bem conceituado na comunidade, pelo seu espírito incansável de defesa dos menos favorecidos, além de sua capacidade ímpar de liderança na condução de inúmeras iniciativas filantrópicas. Ficou conhecido como um legítimo pastor de almas, na acepção mais sagrada e virtuosa do termo. Tinha marcante influência social e freqüentava todos os lares da cidade, orientando os fiéis nas questões mundanas e espirituais. Também atuava como professor e mestre, alfabetizando os mais humildes e trazendo cultura e informações em suas preleções. Como era um grande orador, agregava multidões. Suas falas se tornaram famosas e uma referência na sociedade local. Exercia atividade político-partidária, tendo ingressado no Partido Liberal, onde foi líder destacado.

Como conseqüência natural deste perfil, acabou se iniciando nos mistérios da Arte Real na Loja Simbólica "Conciliação", da cidade de Recife. Em seguida se transferiu para a Loja Simbólica "Sigilo Natalense", a mesma de seu pai, no oriente de Natal. Adotou o significativo apelido de Guilherme Tell. Rapidamente galgou os degraus da escada de Jacó, sendo nomeado 1º Vigilante em pouco tempo.

Em 1.867, com a fundação da Loja Simbólica "21 de Março", foi eleito seu primeiro Venerável-Mestre. Foi seguidamente reconduzido ao cargo, por dez anos. Infelizmente passou ao Oriente Eterno em 2 de Novembro de 1.877, com apenas 62 anos de idade, em meio a uma profícua e reta carreira entre Colunas.

Os caminhos do obreiro e do religioso estavam em total harmonia, até se cruzarem com a bruta realidade das relações entre Estado e Igreja, no auge da "Questão Religiosa". O Vigário Bartolomeu foi convocado à Olinda, com urgência. Viajando 300 km a cavalo, foi recebido pelo Bispo Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira que, educadamente, determinou que ele abandonasse imediatamente a Maçonaria. A sanção prevista na encíclica do Papa Pio IX, Quanta Pura, Syllabus Errors, seria aplicada de forma impiedosa no caso de desobediência. Como citado anteriormente, esta bula determinava, dentre outras medidas, que era proibida a filiação dos membros da hierarquia do clero à Sublime Ordem. Nosso Irmão, em presença de seu superior, que detinha imenso poder e prestígio, manifestou de forma inequívoca seu descontentamento com tal medida, e já adianta que dificilmente poderia cumprir este mandamento, uma vez que se baseava exclusivamente na materialidade das leis canônicas. Defendeu a compatibilidade entre as condutas cristã e maçônica, apesar das normas existentes. Em seguida, foi-se embora da mesma forma que tinha chegado.

Regressando à Natal, foi recebido como verdadeiro herói pelos Irmãos de sua Loja. Imediatamente presidiu uma memorável Sessão, fato que chegou ao conhecimento de Dom Vital, que ficou enfurecido. Interpretando esta atitude como uma terrível afronta às suas ordens, o Bispo ameaçava caçar os direitos eclesiásticos do "rebelde", remetendo um ofício no qual manifestava o ultimato final. Neste documento exigia que, além de abandonar as Colunas de Salomão formalmente, deveria o obreiro divulgar este fato em toda imprensa local, através de nota oficial nos jornais.

A resposta do Vigário Bartolomeu, com grande veemência e firmeza de opinião, veio na forma da carta abaixo transcrita, encaminhada ao seu superior:
"Exmo e Reverendíssimo Sr, Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira.
Assunto: respondendo ao ofício que me dirigiu, determinando que eu declarasse aos jornais que não pertenço mais à Maçonaria.
Permita V Exa Revera que, como todo respeito que devo ao meu Prelado, lhe fale que a dignidade que todo homem de bem deve a todo transe procurar manter e o juramento que espontaneamente prestei quando fiu admitido àquela associação, me impedem de fazer a declaração ordenada por V Exa Reva. Uma semelhante declaração importa numa abjuração ou perjúrio, e não há que ser no último quartel de minha vida que eu hei de cometer um perjúrio, muito principalmente contra uma associação cujos fins humanitários são de sobejo conhecimento.Quando conferencei com V Exa Reva, que tenho 34 anos de vida pública, a qual considerava sem manchas, graças à Divina Misericórdia, não poderia, sem quebra de minha dignidade pessoal e sem lançar uma nódoa em minha reputação de homem de bem, abjurar da Maçonaria. Portanto , pretendo continuar em meu propósito, sem querer desobedecer às ordens de meu Prelado, a quem atribuo todo respeito e acatamento.
In Christus Jesus, Pe Bartolomeu Fagundes
"

Nexte texto singelo se resume todo amor e respeito que um legítimo obreiro pode manifestar por nossa Arte Real. Não deixa dúvidas: jamais nosso poderoso Irmão iria virar as costas à Loja. Estava disposto a pagar o preço por sua honrada postura. Dom Vital, então, cumpriu as ameaças. O Vigário Bartolomeu teve suas ordens e obrigações suspensas, apenas por ser ao mesmo tempo Padre e Maçom, uma vez que se recusou terminantemente a abandonar as Colunas de Hiram.
 
Mesmo afastado das funções eclesiásticas, nosso Irmão manteve sua atuação social e filantrópica na comunidade. As pessoas continuavam respeitando e dignificando sua conduta reta e iluminada, mesmo sabendo que não se alinhava, administrativamente, à Santa Sé. Jamais foi considerado um pecador ou herege, como poderia se esperar em um caso desta natureza. Sua voz e sua alma continuaram brilhando no árido agreste.

A saga do Vigário Bartolomeu deve ser respeitada, relembrada, e detalhamente estudada por todos Irmãos que realmente desejam conhecer a história de nossa Fraternidade. Com o passar do tempo, infelizmente, a poeira e o limo das sucessivas gerações insistem em relegar esta e outras maravilhosas histórias de nossa Sagrada Ordem ao nivel mais fundo do poço da indiferença e esquecimento. Esta tendência deve ser revertida, se desejamos preservar nossos princípios mais justos até o final dos tempos, em prol do aperfeiçoamento da sociedade.

Lutemos para que o sacrifício de nosso respeitável Irmão não tenha sido em vão, e que seu exemplo possa ser conhecido por todas as futuras gerações.

(Fonte: www.maçonaria.net)




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Postado por Sérgio Fernandes quinta-feira, março 18, 2010

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